Inúmeros municípios já tentaram criar a chamada “Taxa de Turismo”, mas há grande histórico de disputas judiciais que julgaram o encargo inconstitucional e ilegal.
Por Murillo Akio Arakaki (Sócio da Arakaki Advogados)
Após a aprovação do Projeto de Lei Municipal nº 041/2016, que institui a TTS (Taxa de Turismo Sustentável) em Porto Seguro/BA, hoteleiros demonstraram grande indignação com a criação desse mais novo encargo que prejudica (e muito) o turismo local. O projeto ainda irá para sanção do Poder Executivo, de modo que poderá ser cobrado a partir de abril de 2017.
O hóspede pagará R$ 2,00 (dois reais) por dia (e por apartamento que ocupar) ao hotel que, por sua vez, terá que repassar o valor ao Fundo Municipal de Turismo.
Os hoteleiros são totalmente contra a criação dessa taxa por desestimular a visita de turistas à cidade e, consequentemente, reduzir a taxa de ocupação de seus empreendimentos.
Ocorre que, sob um olhar jurídico, há muitos outros argumentos para que essa taxa não seja criada, nem em Porto Seguro/BA e igualmente em nenhum outro lugar.
Há, no histórico da jurisprudência brasileira, incontáveis ações judiciais que debateram o assunto e, na grande maioria das vezes, a “Taxa de Turismo” é declarada inconstitucional e ilegal pelo Poder Judiciário. Necessário, portanto, discorrer sobre os motivos pelos quais essa taxa fere a lei e a Constituição Federal.
A Constituição Federal e o Código Tributário Nacional permitem a criação da taxa somente (e tão somente) em duas hipóteses, quais sejam: “em razão do exercício do poder de polícia ou pela utilização, efetiva ou potencial, de serviços públicos específicos e divisíveis, prestados ao contribuinte ou postos a sua disposição” (artigo 145, inciso II, da Constituição Federal).
A primeira hipótese (poder de polícia) relaciona-se com o pagamento da taxa em razão do exercício de fiscalização pelo Estado, nos termos do artigo 78 do Código Tributário Nacional [1].
Por sua vez, a segunda hipótese (utilização, efetiva ou potencial, de serviços públicos específicos e divisíveis) relaciona-se com serviços prestados pelo Estado que podem ser especificados e determinados, ou seja, aquele serviço que podemos delimitar aquilo que foi prestado efetivamente para determinado contribuinte. Logo, entende-se por específicos os serviços que “possam ser destacados em unidades autônomas de intervenção, de utilidade, ou de necessidades públicas” e divisíveis “quando suscetíveis de utilização, separadamente, por parte de cada um dos seus usuários” [2].
Ocorre que, em relação à Taxa de Turismo, não se vislumbra a sua adaptação em nenhuma das duas hipóteses legais, haja vista que ela não almeja remunerar o exercício do poder de polícia e, por outro lado, também não remunera um serviço público específico e divisível.
Ainda mais: serviços prestados pelo Estado que são constitucionalmente previstos como dever da administração pública (como segurança, saúde, entre outros), não podem onerar os particulares mediante a instituição de taxa. Portanto, pelo fato da promoção e o incentivo ao turismo, “como fator de desenvolvimento social e econômico”, ser constitucionalmente previsto como um dever do Estado, a Taxa de Turismo é manifestamente inconstitucional.
Outro argumento utilizável é a violação do direito constitucional de livre locomoção dentro do território nacional, conforme artigo 5º, inciso XV, da Constituição Federal [3].
Assim, com o aprofundamento desses argumentos, já houveram proposituras de inúmeras ações diretas de inconstitucionalidade que julgaram “Taxas de Turismo” de diversos municípios como indevidas, por clara inconstitucionalidade e ilegalidade.
Nessa linha, percebe-se que, por uma total falta de bom senso e técnica legal dos nossos legisladores, o setor hoteleiro se vê prejudicado por essas arbitrariedades na instituição de tributos.
Por fim, necessário salientar que, na ocasião de instituição desse tipo de taxa pelo Poder Legislativo (mediante aprovação de projeto de lei) com a sanção do Poder Executivo, a única alternativa que resta aos empreendimentos hoteleiros é recorrer ao Judiciário, com o intuito da obtenção de uma decisão judicial que declare inexigível a cobrança.
Referências:
[1] Código Tributário Nacional. Art. 78. Considera-se poder de polícia atividade da administração pública que, limitando ou disciplinando direito, interesse ou liberdade, regula a prática de ato ou abstenção de fato, em razão de interesse público concernente à segurança, à higiene, à ordem, aos costumes, à disciplina da produção e do mercado, ao exercício de atividades econômicas dependentes de concessão ou autorização do Poder Público, à tranqüilidade pública ou ao respeito à propriedade e aos direitos individuais ou coletivos.
[2] Código Tributário Nacional. Art. 79. Os serviços públicos a que se refere o artigo 77 consideram-se:
I – utilizados pelo contribuinte:
a) efetivamente, quando por ele usufruídos a qualquer título;
b) potencialmente, quando, sendo de utilização compulsória, sejam postos à sua disposição mediante atividade administrativa em efetivo funcionamento;
II – específicos, quando possam ser destacados em unidades autônomas de intervenção, de utilidade, ou de necessidades públicas;
III – divisíveis, quando suscetíveis de utilização, separadamente, por parte de cada um dos seus usuários.
[3] Constituição Federal. Art. 5º, inciso XV – é livre a locomoção no território nacional em tempo de paz, podendo qualquer pessoa, nos termos da lei, nele entrar, permanecer ou dele sair com seus bens.